Parábola da Paixão pelo Carteiro
- poetadohorizonte
- 22 de mai.
- 3 min de leitura

Havia uma cidade em que o pequeno fazia os corações maiores e roubavam encantos do céu para espalhar nos olhos. Era assim, cidade quase perfeita... Mas sempre tem olhos que buscam outros lados, outros cantos e outros encantos. Acabaram escorrendo para os lados do Vento de Fogo. Assim foi que um carteiro probo se colocou como os dias em um sincronismo que só mudava pelas rotas, mas suas pernas eram a cidade inteira e nunca deixava de entregar cada pacote para o seu dia. Sua bolsa era a Alma da cidade, afinal, as mensagens dessa pequena cidade tinham os amores, as distâncias, as contas, as resoluções, as decisões, as tomadas e planos... O carteiro era o sangue fluído da cidade. Todo descanso da Luz perpassava pelas mensagens que o carteiro ia distribuindo, dia a dia. Sempre animado, amava encontrar pessoas e falar de coisas grandes e pequenas, que para ele não eram nem grandes nem pequenas, pois sabia que tudo no mundo tem o tamanho do CorAção. Suas horas não passavam nem eram fixas, pois eram atravessadas nos papéis e histórias que nunca chegou a conhecer. Carregava mundos inteiros e não sabia nada deles. Carregava histórias de amor, de quebras, de doenças, de reconciliações, de desespero e alegria, mas de nenhuma delas sabia. Quantos beijos escondidos em uma bolsa. E quantas súplicas sinceras escondidas também. Mas o carteiro era fiel ao seu caminhar, e cada rua da cidade era o mapa de uma viagem bem antiga, não se cansava antes de terminar o que precisa ser terminado. Assim é a Obra. Porém, um dia, sem muito porém, o carteiro foi entregar o que deveria ser apenas mais uma carta, e logo descobriu a certeza do relógio que não esquece seu tic-tac, e foi cumprir uma outra história. A entrega dessa carta, era para uma jovem senhora que aguardava o desfecho de uma história de outra cidade, e eram histórias consideradas secretas e por isso mesmo muito aguardadas. O carteiro estava levando esta fatídica carta com os punhos de quem é um imenso ignorante, até olhar a jovem senhora que cumpria todos os requisitos de femme fatale, e esta era uma carta diferenciada pois tinha de ser entregue em mãos e confirmada com a assinatura da própria senhora pelo recebimento. Ela convidou o carteiro a entrar para assinar, e o carteiro percebeu que a casa tinha muitos móveis escuros, mas chamava mesmo atenção um espelho de prata ao fundo, havia algo nele que chamava atenção embora parecesse simples. O carteiro teve um certo ímpeto inexplicável e inexprimível de ir ao espelho e se inclinou, quando a dama fatal disse: “Não vá, pois a carta de hoje é importante...”. O carteiro não entendeu o que ela quis dizer, parecia algo enigmático demais para sua função de entregador de mensagens, e o espelho convidando... Ela olhou de soslaio e disse: “Já disse...”. E ele não pôde ouvir, apenas fluiu para mais perto do espelho. Enquanto isso ela abria a carta, porque somente assinaria o recebimento se a carta fosse favorável... Mas disso o carteiro sequer sabia... Foi assim, de uma forma esquisita e num rompante que ela abriu a carta, e ele olhou o espelho, cruzando pela distância e ângulo o olhar refletido. Ela teve a aprovação perfeita da carta, e ele o enigma do espelho sussurrado nos avisos. Nada podia existir mais que a mentira. Mas se fez a magia, e ela associou a benfazeja missiva com os olhos do carteiro, e estava aí instalada a loucura que qualquer santo sabe. A paixão instalada e a perdição das horas sem tic-tac ruindo. A femme fatale enamorada de um carteiro que sequer sabia o que ela havia assinado... Assim se fez o pacto de ilusão entre destinos que se cruzaram, talvez fosse um Maktub esquisito, refletido em um espelho de prata, que era a margem das infinitas paixões estreladas... Assim foi, e aqui começa a tristeza e miséria de toda história, perceber que a paixão se consome muito antes da sabedoria evocada, e aí os olhos de tropeço engoliram as horas como se fossem outras... Nada que não se saiba... Mas a paixão pelo carteiro era subterfúgio de uma paixão pela carta que ele trazia. Em suma, a confusão entre o que se vê e o coração que pulsa um sangue mais vivo... Aqui começam os problemas do carteiro que diante do ofício, tinha que ainda andar muito por suas entregas e obra, um carteiro repousado no sofá não é seu ofício. Assim foi o início dos problemas do carteiro, e sem saber de toda uma cidade, que tinham agora suas mensagens atrasadas por olhos que lançaram no momento errado a mistura entre a mensagem e o entregador dela... Isso diz muito...
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